Os gregos, ao contrário dos romanos, só matavam animais para fins religiosos ou para seu consumo próprio. Pitágoras e seus discípulos, então, nem isso, pois acreditavam que as almas dos mortos podiam reencarnar no corpo de qualquer ser vivo – ao que Tertuliano, crítico feroz desta doutrina, redarguia, zombeteiro: “A ser assim, quem me diz que aquela carne que chia no espeto não é uma posta da minha querida avozinha?”.
Os romanos, seus sucessores, logo aprenderam a matar por prazer. Organizavam mirabolantes espetáculos no Coliseu em que milhares de animais eram abatidos diante de uma plateia assanhadíssima. Num evento tristemente memorável, Probus transplantou dezenas de árvores copadas para a arena, criando ali uma espaçosa floresta, que povoou com mil avestruzes, mil cervos, mil antílopes e mil javalis – todos mortos diante do público. No dia seguinte, massacraram cem leões, um número igual de leoas, duzentos leopardos e trezentos ursos. Depois, vinte zebras, dez girafas, trinta hienas e dez tigres indianos; em seguida, os grandes quadrúpedes: o rinoceronte, o hipopótamo e um majestoso grupo de trinta e dois elefantes.
Esta demanda frenética atraiu um exército de caçadores de espécimes selvagens; navios carregados de jaulas – arcas de Noé da morte e da destruição – zarpavam de todos os portos do Mediterrâneo. Assim foi exterminada quase toda a fauna do norte da África; assim desapareceu para sempre o leão europeu, aquele que atacou os camelos de Xerxes, quando os Persas invadiram a Macedônia em 480 a.C. Era comum na Península Ibérica, na França, na Itália e na Grécia, onde forneceu a vestimenta de Hércules; sabe-se apenas que o último exemplar conhecido morreu no ano do nascimento de Cristo.
Eis um animal que nunca vamos conhecer – e, como ele, dezenas de outros que se extinguiram não por fenômenos naturais, como os dinossauros, mas pela simples e ilimitada estupidez humana. Assim também foi o extermínio da alca gigante, o hoje desconhecido pinguim boreal, outrora encontrável em gigantescas colônias nas águas geladas do Atlântico Norte. Em 4 de junho de 1844, Jon, Sigurdr e Ketil, três pescadores islandeses, foram a uma ilha distante procurar exemplares que um colecionador tinha encomendado. Jon matou um macho; Sigurdr matou uma fêmea. Só Ketil voltou de mãos abanando, porque, sem o saber, as duas alcas que seus companheiros haviam abatido eram as últimas do planeta! As carnificinas romanas me deixam horrorizado, mas nada me impressiona mais que o relato deste momento preciso em que algo de irreparável aconteceu. Estas espécies que se extinguem são como os canários que os mineiros de carvão levavam para o fundo da mina, a fim de detectar a existência de gás, pois sua morte anuncia que a nossa também não está longe.
Cláudio Moreno
Nada
Há 15 anos
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